quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Quanto é possível andar para trás?

Suspenderam o WhatsApp. Embora a proibição tenha durado poucas horas, ela foi efetiva e teve reflexos que provavelmente vão perdurar, como a substituição do aplicativo por alternativas como o Telegram, que ganhou 1,5 milhão de usuários brasileiros só nesse tempo.

A decisão foi descabida, pois o aplicativo é o principal meio de troca de mensagens via celular no Brasil. Foi como se a telefonia celular fosse proibida por algum motivo ou suspendessem os serviços de email por outro. Independentemente da motivação, prejudicar seus milhões de usuários no país é uma sandice.

Mas o fato reflete somente o período em que vivemos: a era do retrocesso. Com a falência do modelo atual de desenvolvimento e o Congresso mais conservador dos últimos tempos, além do clima de ódio extremista instaurados, o Brasil vive um momento tenso e marcha na direção errada.

Um projeto de lei que ainda tramita na Câmara tenta reduzir o direito das mulheres que engravidaram por consequência de um estupro de abortarem. Aprovaram, também, um Estatuto da Família que definia como tal a união entre homem e mulher, deixando de fora não somente os casais homoafetivos, mas os demais arranjos como avós que criam netos e tios que criam sobrinhos, por exemplo. Por todo o país, prefeituras proíbem o uso do Uber, que só continua fucionando por decisões dos tribunais regionais, sendo que seus motoristas são seguidamente agredidos por taxistas sem que nada seja apurado. "Cidadãos de bem" pedem a volta da ditadura militarA intolerância religiosa leva fanáticos cada vez mais numerosos a atacar praticantes e terreiros de religiões afro. Isso sem falar que o novo coordenador de saúde mental do Brasil é um ex-diretor de manicômio, que nada mais é do que um campo de concentração com práticas medievais de torturas. Aliás, o ministro que o indicou tem uma relação íntima com os planos de saúde, aos quais interessa o desmantelamento do SUS.

Vivemos um período conturbado em que a intolerância e o retrocesso determinam as novas regras. Mas, felizmente, a internet continua livre para propagar opiniões e análises como esta e organizar movimentos de resistências a estes absurdos. Bem, pelo menos por enquanto.


terça-feira, 24 de novembro de 2015

Uma época de dar inveja à crise dos mísseis

Rússia e Turquia têm um longo histórico de guerras. Chomsky não é tão bom cientista político quanto é linguista, mas ele tem razão quando diz que o cenário é sombrio. A probabilidade de um ataque russo contra os turcos é grande e, sendo membro da Otan, automaticamente EUA e Rússia estariam em guerra. Ao mesmo tempo, os estadunidenses fornecem armas para os curdos do Iraque contra o Estado Islâmico, o que ameaça a supremacia turca em seu próprio Curdistão.

A guerra fria segue no Oriente Médio: enquanto russos apoiam xiitas, estadunidenses apoiam sunitas (excetuando-se, evidentemente, o Estado Islâmico, que é inimigo de todos, menos do Qatar e, possivelmente, da Arábia Saudita). Esse conflito pode ser visto inteiro na Síria, que tem as três forças atuando, todos contra todos.

O Estado Islâmico, por sua vez, já está na Europa e, provavelmente, nas Américas, após a entrada de centenas de milhares (milhões) de refugiados. Evidentemente alguns membros se infiltraram e estão esperando o momento de agir, como pode ter acontecido na França.

Estamos esperando para ver as cenas dos próximos capítulos. Desde o fim da União Soviética, não havia tantos países em embates contra diferentes inimigos em uma trama tão emaranhada, que fica até difícil de entender sem desenhar. Não arrisco a dizer que teremos uma guerra mundial, mas vivemos o momento mais perigoso dos últimos trinta anos.


Atualização em 23/3/2016: Logo após esse artigo ser escrito, a Rússia pediu para seus cidadãos saírem da Turquia devido ao alto risco de atentados terroristas. Pouco depois, os atentados começaram, e sem reivindicação de autoria. Como se sabe, os grupos terroristas costumam assumir seus atos, até como uma forma de empoderamento. Não é possível afirmar que os russos estão por trás destes crimes, mas também não há por que descartar esta possibilidade.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Quem me representa na casa de Cunha?

Escolher candidato em eleições para cargo executivo é um problema. Normalmente, apenas dois concorrentes estão efetivamente disputando; três, quando muito. Sendo tão poucas opções, quais são as chances de se escolher aquele candidato que tem tudo a ver com as ideias do eleitor? Quase nulas, certo? Afinal, quanto menos as opções, menor a representatividade.

Entretanto, as eleições legislativas, por serem proporcionais e por terem centenas de postos, são bastante representativas. E como chegamos a eleger um Eduardo Cunha? A resposta não é nada complexa, na verdade. Candidatos ruins e que pouco fazem por seus eleitores ganham porque somos desleixados na hora de decidir um dos votos mais importantes, que é para deputado federal.

Votar num candidato porque ele é pastor da sua igreja, porque gostou de seu programa eleitoral, porque recebeu um "santinho" com seu número, ainda são práticas comuns. Mas é importante saber como é sua vida política, seus projetos e os seus votos no Câmara de Deputados. Também é importante saber o seu partido e se esse partido vota de acordo com as convicções do eleitor.


Pensando nisso, Andryw Marques, Nazareno de Andrade e João Arthur da Universidade Federal de Campina Grande, lançaram a página "Quem me representa", que faz uma enquete com os temas recentes mais polêmicos votados na Câmara de Deputados, como redução da maioridade penal e financiamento privado de campanha, e cruza com as opiniões do usuário. Assim, o eleitor pode saber quem é o deputado que melhor o representa nesses grandes temas. Eles também são autores do "House of Cunha" que mostra quantos e quem são os seguidores do presidente da Câmara.

Faça o teste, você pode se surpreender com o resultado!

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Venezuela pavimenta o caminho para os Estados Unidos

Não é de hoje que os Estados Unidos querem entrar na Venezuela, e Maduro está pavimentando o acesso. Segundo o documentário Zeitgeist, o país faz parte dos planos dos estadunidenses, que já estabeleceram controles sobre o petróleo e dutos do Afeganistão e os poços do Iraque.

Os recentes assassinatos de manifestantes dão o tom do caminho que o país está seguindo: se no governo Chávez a maior parte dos protestos vinha das classes mais altas – e eles raramente chegavam às ruas –, seu sucessor afunda a o país em todos os níveis, alimentado pela péssima gestão da PDVSA e pela baixa nos preços do petróleo.


Hoje são os estudantes que vão às ruas, sabendo que podem levar bala. Isso não é coragem somente, é desespero. Até hoje, morreram cinco, mas muitas mortes estão por vir. Enquanto isso, por baixo dos panos, os Estados Unidos têm a chance de realizar o que fazem de melhor: financiar e armar grupos de oposição para desestabilizar de vez o governo e, assim, assumir o controle de um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Para piorar, considerando o cenário atual, essa parece ser uma boa alternativa ao que os venezuelanos têm hoje.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Como funciona a prática da terceirização

A terceirização de postos de trabalho já é uma prática em atividades-meio de empresas. Mas por que as empresas terceirizam? Se os trabalhadores precisam receber seus salários e direitos trabalhistas garantidos na CLT, não sairia mais caro terceirizar do que contratar?

Não é bem assim. Uma empresa terceiriza justamente para se livrar do vínculo empregatício e de todas as obrigações que vêm junto. Na prática, a empresa escolhe seus funcionários e aponta uma empresa de RH, cujo único papel é contratá-los para assinar sua carteira.

Assim, a empresa "A" contrata a empresa "B" e aponta quem deve ser contratado por esta. Todos os encargos trabalhistas ficam por conta da empresa "B", que pode ter sido fundada ontem ou estar há décadas no mercado. Quando se encerra o contrato da empresa "B" com a empresa "A", a empresa "A" avisa aos funcionários que, quem quiser continuar trabalhando, deve pedir demissão e ser recontratado pela empresa "C", outra empresa de RH.

Dessa forma, ninguém fica no emprego tempo suficiente para tirar suas férias, ninguém é demitido e recebe os 40% do FGTS. Na prática, tais direitos trabalhistas não existem. Não há fiscalização e, caso você decida entrar na Justiça, terá muita dificuldade em ser recolocado no mercado de trabalho.

Agora o Congresso quer isso para todos. A CLT está sendo rasgada e jogada no lixo e a população, enfurecida com o governo, não entende que os partidos de esquerda são os únicos que estão defendendo os direitos trabalhistas. Preferem escutar os conselhos de Sheherazade e Constantino, que provavelmente têm suas carteiras assinadas pelos veículos em que trabalham e seus direitos trabalhistas garantidos.

segunda-feira, 16 de março de 2015

A crise é institucional

Não há base para o impeachment da Dilma, isso é fato, pois não há nada que a vincule, nessa gestão, a atos criminosos. Entretanto, também não havia base para o impeachment de Fernando Collor, que acabou absolvido pelo STF. Para isso, ele tinha um testa-de-ferro que, afinal, não era tão de ferro assim.

Assim como em 1992, as manifestações ocorreram, algumas pedindo o fim da corrupção, outras o impeachment, ainda que, como a mídia internacional pontuou, quem foi às ruas era branco, mais velho e mais rico do que os de antes. Outros mais idiotas pediram intervenção militar. Tudo é muito democrático, mas o julgamento da presidente não vai ocorrer, não pelo motivo que falei acima: o PT ainda tem uma sólida base no Congresso que, apesar de não garantir a governabilidade, não vai permitir sequer que o pedido chegue a votação.



Mas a crise está aí e, em muitos aspectos, lembra a que precedeu a ditadura militar: o Brasil está entrando num estado de "paralisia decisória", como definiu Wanderley Guilherme dos Santos em seu livro "Sessenta e quatro: a anatomia da crise". Mas, diferentemente de outrora, os militares não estão dispostos a intervir e, dizem alguns pertencentes aos círculos, riem-se desta possibilidade.

O que pode acontecer é a governabilidade ficar tão comprometida e Dilma, com sua inabilidade política, piorar mais ainda a situação. Desta forma não lhe restará muita saída senão renunciar. E, como resultado desta crise institucional, entregaremos o Brasil de mão beijada para o PMDB, com Michel Temer presidente, Eduardo Cunha presidente da Câmara de Deputados, Renan Calheiros presidente do Senado, maioria no Congresso, maior número de governadores e prefeitos.

Entretanto, esta é uma visão catastrofista. Dilma, com sua personalidade, é capaz de passar quatro anos dando murro em ponta de faca. Ou vai colocar o rabo entre as pernas e chamar Lula para fazer o papel que deveria ser da Casa Civil de negociar com o Congresso.